As principais ocorrências de problemas de saúde no Brasil são decorrentes de acidentes de trabalho. Em média, são 700 mil acidentes por ano desde 2010, segundo relatório do Ministério do Trabalho e Previdência Social. Deste total, 0,5% acabam em óbito e 35% em afastamentos por mais de 15 dias. Considerando apenas os dados oficiais, cerca de 55 pessoas deixam definitivamente o mercado de trabalho a cada dia, por morte ou incapacidade permanente.
Os números demonstram a importância do dia 28 de abril, escolhido pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) como Dia Mundial em Memória das Vítimas de Acidente de Trabalho. A data irá coincidir com outra grande luta construída por diversas categorias: a Greve Geral nessa sexta-feira (28), que luta contra as reformas da Previdência, trabalhista e a já vigente terceirização.
José Damásio de Aquino, físico e coordenador de Segurança no Processo de Trabalho da Fundacentro (Fundação Jorge Duprat Fig. de Segurança e Medicina do Trabalho), destaca os alarmantes índices anuais de acidentes no Brasil, em decorrência de precarização no ambiente laboral: “Ocorrem muitos acidentes e a média dos últimos anos da previdência é de 2.700 acidentes fatais”.
“No Brasil as informações sobre acidentes no trabalho são da Previdência Social, ou seja, que contempla só os trabalhadores segurados pela Previdência, que correspondem a 30% da população economicamente ativa. Trabalhadores do serviço público, domésticas, informais, acabam não entrando nas estatísticas quando sofrem algum tipo de acidente de trabalho”, diz Aquino.
Wanda Lúcia de Oliveira trabalhou por seis anos como cobradora de ônibus. Ela perdeu 40% da audição do ouvido esquerdo e saiu da empresa Gávea Transportes, que é parte do grupo RODAP Justinópolis, em Minas Gerais. Mesmo usando protetores de ouvido, adquiriu a deficiência: “As vias da cidade [Justinópolis, na Grande BH] são péssimas e os veículos em que trabalhamos são muito velhos e barulhentos”, explica.
Segundo Wanda, as audiometrias começaram a acusar perda de audição a partir do terceiro ano de emprego. Quando foi demitida, entrou com processo judicial para receber indenização pelo acidente, mas perdeu. “O que consegui foi ganhar a insalubridade, que comprovou que o ruído era acima do permitido, mas não serviu para o processo sobre a indenização”, lamenta.
Terceirização e Reforma da Previdência
A Greve Geral marcada para esta sexta-feira (28) coincide com a data em memória das vítimas e doentes de acidentes de trabalho. Para Thiago Loretto de Oliveira, assistente social do Centro de Referência de Saúde do Trabalhador, em Guarulhos e membro do jornal do Departamento Intersindical de Estudos e Pesquisas de Saúde do Ambiente de Trabalho (Diesat) as mudanças propostas na reforma da Previdência acabam com os “direitos mínimos” que os trabalhadores conquistaram.
“O que poucos falam é que a PEC 287/2016 (reforma da Previdência) vai para além dos benefícios específicos da aposentadoria, da contribuição para se aposentar, ela vem pra pulverizar ainda mais alguns direitos mínimos que a gente tinha […]Tem uma discussão de retirar o acidente de trajeto dos direitos do trabalhador. Por exemplo, um trabalhador que sai do trabalho e vai pra casa, ou está indo pro trabalho e sofre um acidente, hoje está coberto pela Previdência Social”, afirma.
Thiago lembra que políticas públicas de seguridade social não podem ser discutidas tão superficialmente em um país tão complexo como o Brasil: “É importante pensar no impacto da reforma na saúde do trabalhador porque, por exemplo não existe você fazer uma reforma da Previdência equiparando um trabalhador rural com um urbano. Comparar um trabalhador que corta cana, que corta eucalipto com um trabalhador de escritório, é extremamente desigual”, revela.
A Lei 4.302/98, aprovada pelos senadores no final de março, é outra que deve impactar diretamente os trabalhadores. Ela libera a terceirização para todas as atividades das empresas e poderá aumentar o número de acidentes de trabalho, já que grandes empresas optam por contratar empresas menores que, por sua vez, são menos capacitadas na proteção de seus funcionários.
Documentação da precarização
A Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) possui um grande número de trabalhadores terceirizados. A empresa responde por centenas de casos de acidentes de trabalho. O sindicato que representa a categoria dos eletricitários, o Sindieletro-MG, denuncia que, entre 1999 e 2017, ocorreram cerca de 120 mortes de pessoas em serviço, sendo 97 terceirizados. A falta de treinamento, precárias condições de trabalho e pressão por produtividade fazem dos precarizados vítimas frequentes de choques e mutilações.
O documentário “Dublê de Eletricista”, de 2015, retrata essa realidade. “Os caras te dão um cinto porque você fazia o trem render e te mandam trabalhar. O acidente que aconteceu comigo poderia acontecer com qualquer um de nós. Todo mundo ia trabalhar da mesma maneira que eu ia trabalhar”, relata na obra o eletricista Lúcio Nery, que perdeu os dois braços enquanto trabalhava.
Fonte: Brasil de Fato